Funk é cultura? Os perigos do radicalismo relativista

Esse já é o segundo texto que escrevo cujo título segue essa estrutura. E acho possível que não seja o último. A razão disso é uma tendência relativamente comum que observo no ser humano de adotar uma perspectiva binária ao analisar certos problemas. No caso, o problema em questão envolve o relativismo e o elitismo. Como todo assunto polêmico, é sempre possível que alguém se sinta ofendido. Mas se a única forma de não ofender é não criticar, então sou forçado a me arriscar e fazer a crítica da forma mais construtiva possível.

Imperialismo e genocídio cultural

“Quando o Senhor teu Deus te houver introduzido na terra a que vais a fim de possuí-la, e tiver lançado fora de diante de ti muitas nações, a saber, os heteus, os girgaseus, os amorreus, os cananeus, os perizeus, os heveus e os jebuseus, sete nações mais numerosas e mais poderosas do que tu; e quando o Senhor teu Deus as tiver entregue, e as ferires, totalmente as destruirás; não farás com elas pacto algum, nem terás piedade delas;
não contrairás com elas matrimônios; não darás tuas filhas a seus filhos, e não tomarás suas filhas para teus filhos; pois fariam teus filhos desviarem-se de mim, para servirem a outros deuses; e a ira do Senhor se acenderia contra vós, e depressa vos consumiria.
Mas assim lhes fareis: Derrubareis os seus altares, quebrareis as suas colunas, cortareis os seus aserins, e queimareis a fogo as suas imagens esculpidas.
Porque tu és povo santo ao Senhor teu Deus; o Senhor teu Deus te escolheu, a fim de lhe seres o seu próprio povo, acima de todos os povos que há sobre a terra.”
– Deuteronômio 7:1-6

Nossa história nos presenteia com inúmeros casos de imperialismo e genocídio cultural. O trecho bíblico acima é um ótimo exemplo da abordagem que o ser humano adotou por séculos para lidar com conflitos culturais e étnicos. O novo testamento amenizou toda essa violência, mas não deixou de pregar um discurso de imperialismo cultural:

“E, aproximando-se Jesus, falou-lhes, dizendo: Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra. Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a observar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos.”
– Mateus 28:18-20

“E disse-lhes: Ide por todo o mundo, e pregai o evangelho a toda criatura.
Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado.”
– Marcos 16:15-16

Mesmo assim, a história nos prova que nem Jesus foi capaz de aquietar a sede de sangue das elites no poder. Nós no novo mundo sabemos bem disso.

Ilustração de Theodor de Bry para o livro “Brevisima relación de la destrucción de las Indias”, século XVI, retratando as atrocidades cometidas pelos espanhois na conquista de Cuba.

“Sobre-correção” (over-correction) relativista

Certa vez estava discutindo sobre dominação cultural e mencionaram como é imperialista e xenófobo considerar uma cultura superior a outra. De fato muitas vezes é perigoso e, como reconheci logo acima, a história mostra como realmente carnificinas xenófobas e genocídios culturais foram realizados sob o pretextos civilizatórios. Mas e hoje em dia? Será que é sempre puro elitismo injustificado?

Sam Harris defende em seu livro “The Moral Landscape” (algo como “A Paisagem Moral”) que a ciência pode e deve se posicionar com relação a temas morais, tocando um tema polêmico. Segundo ele, os avanços na neurociência e outras áreas da medicina nos permite medir cada vez melhor e de forma mais objetiva as causas do sofrimento humano. Na presença de um dilema moral, segundo o autor, esse conhecimento poderia ser usado para decidir que opção causa menos sofrimento. Em uma entrevista para o Huffington Post, o autor é perguntado “por que é tabu para um cientista tentar responder questões morais?”. Em sua resposta, ele diz que um dos motivos é que:

“muitos cientistas têm sido induzidos a erro por uma combinação de má filosofia e correção política. Isso os leva a crer que a única posição que pode ser defendida intelectualmente na presença de uma discordância moral é considerar todas as opções igualmente válidas ou igualmente sem sentido. Em certo nível, essa sobre-correção é compreensível e até nobre dada nossa história de racismo, etnocentrismo e imperialismo. Mas não deixa de ser uma sobre-correção. Como tento mostrar no meu livro, não é sinal de intolerância notar que algumas culturas e sub-culturas fazem um terrível trabalho em produzir vidas humanas que valem a pena ser vividas.”

O mito do bom selvagem

Tudo bem, vamos evitar as palavras “superior” e “inferior” quando julgarmos diferentes culturas. De fato elas já estão muito manchadas de sangue. Mas não vamos fechar os olhos sob pretexto de tolerância e modernidade quando na África tribos mutilam a genitalia feminina em rituais religiosos.

Genitalia de uma menina é mutilada em ritual religioso em Gana

O extermínio dos povos indígenas nas Américas e a escravização dos negros foi uma barbaridade injustificada. Porém, esses povos explorados também não eram “santos”. Muitas tribos indígenas praticavam canibalismo, homicídios ritualísticos, e muitos negros escravizavam seus prisioneiros de guerra na África e vendiam-nos para europeus. Todas práticas que seriam hoje vistas como crimes de guerra. Repito: Isso não justifica as práticas dos europeus. Esse discurso seria um típico caso do “sujo falando do mal lavado”. Mas também não é realista ou construtivo viver na ilusão de que povos primitivos são seres puros e admiriáveis que ainda não foram “corrompidos pela horrível civilização”. Esse pensamento ilusório se tornou tão generalizado que recebeu o título de “mito do bom selvagem”. Mas coisas ruins podem vir de qualquer lugar, tanto da civilização dominante quanto das mais fracas.

Hoje em dia vemos versões modernas desse mito, que poderiam ser chamados de algo como “o mito da boa minoria”. No Brasil o “mito do bom favelado”, na Europa ocidental o “mito do bom imigrante” e na oriental o “mito do bom cigano”. É fundamental reconhecer aqui que ser morador da favela, imigrante ou cigano não deve ser per se condição suficiente para que um indivíduo seja estigmatizado. Mas negar que, a nível coletivo, esses grupos mantém práticas moralmente questionáveis, é cair no outro extremo.
Quando alguém critica aqueles que denunciam uma cultura como inferior a outra e eu menciono a mutilação genital, a reação costuma ser: “ah, mas aí é diferente, eles estão infligindo sofrimento sobre outro ser humano”. Ou seja, reconhece-se que existem casos onde é válido criticar determinada cultura. Como costumo dizer, nada é binário. Entre 0 e 1 existem infinitas possibilidades e dificilmente uma solução está em um extremo. A questão que devemos nos perguntar é: onde desenhar a linha que separa a tolerância cultural do pouco caso a problemas sérios de bem-estar humano?

Funk Carioca

Um ótimo caso ilustrativo para todo esse debate é o funk carioca. Existe uma tendência atual no Brasil de se defender o funk com unhas e dentes, dizendo se tratar de uma expressão artística legítima, tão válida quanto qualquer outra, e acusando todos os seus críticos de elitistas intolerantes.

Freixo se pronuncia na Alerj em defesa do movimento “Funk é cultura”

Funk é arte? Sim. Não nego que seja, por definição, arte. É legítimo? Sim. É a produção cultural de um grupo que, gostemos ou não, é importante na sociedade brasileira. É tão válido quanto qualquer outra estilo? Bom, no sentido de merecer o título de “arte”, pode ser. No sentido de ser tão positivo e valioso quanto outros estilos? Aqui a questão começa a ficar mais complexa. O que define algo como positivo e valioso?

Minha crítica ao Funk Carioca é a mesma que faço ao Hip-Hop americano: misoginia, exaltação e naturalização da violência e ostentação. Seus defensores logo bradam “nem todo funk fala sobre essas coisas”. Tudo bem. Pode ser verdade. Mas sejamos realistas: para todos os efeitos práticos, a imagem que o funk passa para o mundo externo é de um estilo extremamente sexualizado, vulgar, violento e cada vez mais ostentador. O “Vem mama em mim” que eu ouço pela janela da sala com meus avós, o “Rap das Armas” eu ouço em festas de todo tipo, o “Parece que tem uma piroca no chão” que eu ouço no celular de estranhos no ônibus e o “Ela da pra nois” em volume ensurdecedor que por vezes sou forçado a ouvir de caixas de som ilegalmente adulteradas falam, sim, sobre “putaria”, violência e ostentação. Se você ainda acha que essa é uma generalização incabível, então deixo claro aqui: Esse texto é sobre esse tipo de Funk. Se há um sub-gênero do Funk que não envolve nenhuma das temáticas que eu critico aqui, então não tenho, a princípio, nada contra ele.

OK, mas qual é o problema das músicas falarem sobre sexo, violência e ostentação?

A arte e a mídia como reflexo da sociedade

Os defensores do funk normalmente se defendem desses ataques alegando que essa temática reflete a sociedade dos habitantes da favela e que portanto é natural que estejam presentes nas letras das músicas. Mas ora, não é isso que está em questão aqui. Que fique claro: eu critico o funk não por simplesmente conter certos temas, mas por exaltar, glamorizar, e perpetuar certos valores. Esse argumento, portanto, não defende de nenhuma forma o funk da minha crítica. A questão realmente relevante aqui é outra.

A arte e a mídia como influências na sociedade

“A mídia pode ser um instrumento de mudança: Pode manter o status quo e refletir as visões da sociedade, ou pode despertar as pessoas e fazer com que mudem de ideia. Depende te quem estiver no comando.”
– Katie Couric

Essa é uma das frases exibidas no trailer do documentário Miss Representation, sobre os efeitos nocivos da mídia para a mulher. Já se sabe atualmente que a mídia exerce forte influência sobre a sociedade. Influenciam o que compramos ou deixamos de comprar, comemos ou deixamos de comer, ou até o que tentamos ser ou deixar de ser. Um documentário nacional muito interessante, que mostra como a mídia influencia as crianças no Brasil, é o “Criança, a alma do negócio“. O problema é que o pensamento marxista parece estar tão impregnado na cabeça de algumas pessoas que elas não conseguem mais olhar para um problema sob outra ótica. Como resultado, elas só se sensibilizam e reagem contra a mídia quando ela é controlada de cima para baixo por uma elite dominante. Quando é um fenômeno espontâneo de um grupo minoritário da sociedade, fecham os olhos.

Ora, não importa quem produz a mídia. Ela tem impacto do mesmo jeito. E como disse Katie Couric, ela pode manter o status quo ou colaborar para mudá-lo. E eu digo mais. Ela também pode reforçar ainda mais certas características da sociedade, tornando-as cada vez mais exageradas com o passar dos anos. No documentário Tough Guise, Jackson Katz mostra como os músculos de bonecos para meninos vêm ficando cada vez maiores ao longo do tempo. O mesmo fenômeno é observado em personagens de desenho e mesmo lutadores reais de MMA.

Ilustrações do super-homem em 1939 e 2004, respectivamente

Será que não há nada parecido acontecendo no Brasil?

missbrasil
Concurso Miss Brasil em 1954
Concurso Miss Bumbum em 2013

Quando um grupo carente da sociedade, que vive à margem do estado, sem acesso a educação, e mora em condições sub-humanas ganha acesso às mesmas tecnologias de produção e divulgação de mídia que a elite, o que podemos esperar que aconteça? Que dimensões do ser humano esperamos que sejam enaltecidas? As mais nobres ou as mais primitivas? A resposta é óbvia:

Nas favelas do Brasil ou nos guetos dos EUA, a história é a mesma: Sexo, dinheiro e violência.

Mas qual o problema da promiscuidade e ostentação?


Para deixar claro, não é a promiscuidade em si que eu critico. Mas a dinâmica sexual, as relações de poder entre os sexos, a competitividade e o papel do sexo na sociedade. Meu problema é com a atribuição de papéis sexuais polarizadas aos gêneros. No Brasil a mulher é tratada como objeto e o homem como predador sexual. E se é a essa sexualização do ser humano que o personagem da tira se refere, então concordo com ele. De fato o ser humano no Brasil é sexualizado demais comparado a outros países e acho que deveria ser menos. Em termos de sexo casual pura e simplesmente, a Finlândia é bem mais promíscua que o Brasil. Mas o índice de igualdade de gêneros também, em contraste, é bem maior. Violência nem se fala. Como diz Caroline Heldman, não é apenas a promiscuidade em si que está sendo exaltada pelas imagens hiper-sexualizadas. É a dicotomia “Objeto vs. Sujeito”. Esse vídeo mostra bem como o retrato do homem e da mulher são diferentes. Mas o que violência tem a ver com comportamento sexual?

“O comportamento violento em homens pode ser explicado por teorias tradicionais de seleção sexual. Em uma revisão da literatura, o Professor John Archer da University of Central Lancashire, associada à British Psychological Society, aponta para uma série de evidências que sugerem que altos índices de agressão física masculina tem suas raízes na competição interna entre homens”
Science Daily

Quando perguntado sobre que condições externas afetam os índices de violência, o professor Archer diz:

“As evidências encontradas na pesquisa destacam que problemas sociais como desigualdade de renda e competição entre machos podem contribuir para a violência que vemos na sociedade atual.”

O retrato hiper-sexualizado da mulher, um dos aspectos mais infames do funk, mostra como é perigosa a cultura sexual nessas comunidades: Ele influencia as mulheres de forma negativa e colabora para que elas vejam a si mesmas como objetos sexuais. Funciona como uma força que as mantém longe de posições de liderança e desperdiça grande parte de nosso capital humano. Esse é um problema extremamente profundo e já escrevi um texto inteiro que trata em parte desse assunto. Os homens, por sua vez, também só as vêem como “cachorras” a serem conquistadas como troféus. Engajam em competições para ver “quem come mais”, não conseguem ou se recusam a ter relacionamentos sérios, e muito menos desenvolvem algum senso de paternidade.

“Quem gosta de homem é gay,
Mulher gosta de dinheiro,
Isso é padrão no mundo inteiro,
Você não é o primeiro e nem vai ser o derradeiro,
E isso nunca vai mudar,
Por isso seja
Fiel a putaria, nunca deixe a putaria,
Viva dela todo dia, brinde sempre a putaria.”
– Mr. Catra, Fiel à putaria

O abandono do pai e as dificuldades da mãe solteira só revoltam as crianças, produtos dessa cultura doente, que então se tornam violentas e acabam morrendo no tráfico.

23m13s: Entrevista com mãe solteira cujo filho morreu no tráfico

Não estou dizendo que o funk é causa disso tudo. Mas exalta uma série de valores que perpetuam essa realidade. Quanto à violência, creio que também não preciso acrescentar muitos detalhes. Afinal ela já é uma coisa ruim que causa sofrimento por si só. A naturalização da violência já tão presente da vida dos jovens e crianças que crescem na favela, a desvalorização da vida e a busca inconsequente por ascensão social colabora para maiores índices de morte, tortura, estupro etc.

A ostentação se encaixa perfeitamente em todo esse paradigma. É por definição uma exibição vulgar de símbolos de status. Reforça a importância do dinheiro e, através dele, da conquista de mulheres-troféu e funciona como uma afirmação de status na hierarquia social, acirrando a competição e frustrando a população que não tem acesso a nada disso. Frustrando e causando revolta que se torna ódio. Ódio que é alimentado ao longo da vida e resulta em violência.

MC Daleste foi morto a tiros no palco, durante apresentação.

A inveja e a disputa por status de dominância em grupos sociais podem parecer assuntos bobos ou até infantis, mas a notícia ilustra muito bem o estudo de Archer: muitas vezes não é. O ser humano é um animal social, e na estrutura social da nossa espécie existe uma hierarquia de dominância. E a cultura fútil da ostentação generalizada só acentua nossos instintos mais primitivos e dita o comportamento tanto das classes baixas quanto das altas, gerando tanto violência intra-classe quanto inter-classe.

“Ei boy, playboy, sente na pele agora o ódio que você causou
enquanto você andava de Jaguar conversível
se exibindo de Montblanc camisa da Diesel
frequentando o jóquei ou clube de campo
eu tava era nos corre com a firma campanando
esperando só passar sua mãe dentro do Porsche
pra eu gritar é um sequestro com a minha 9mm
sorte, de você que não teve ainda o crânio
estraçalhado por um tiro de fuzil iraquiano
ou até mesmo estrangulado na cela do seguro
ou quem sabe no cativeiro no quarto escuro
mas não só nos peão com as puta de Mustang
pagando de Don Juan na merda do baile funk
é dança da motinha, dança da lacraia
dança da foguentinha é tanta merda que não acaba
enquanto queima ônibus explode viatura
de coquetel molotov panico na rua
delegado enrolado no colchão pegando fogo
empresário no meio do mato encontrado morto…
louco? não é meu rap que vem falar a verdade
é o sistema que é cruel violento e sem massagem”
– Realidade Cruel, Tsunami

Não sei se há artigos que confirmem essas minhas afirmações específicas sobre o Brasil. Mas com base nos que já citei, não é um grande salto fazer essa interpretação. Além do trabalho de Archer, outro que ilustra bem como toda essa questão do sexo, competição e ostentação estão relacionados é o documentário Tough Guise, já mencionado mais acima. Mas a elite religiosamente marxista e relativista de classe-média insiste, por motivos que me parecem pura sobre-correção e paranóia, a defender vigorosamente tudo isso.

Sério? Sério que é TÃO importante defender ISSO? Eu acho que se 1% das influências negativas que eu citei forem verdadeiras, já não vale a pena gastar energia para defender obras como esse clipe. Mas há realmente quem defenda esse tipo de expressão? Sim. É comum, por exemplo, dizerem que “no fundo toda a sociedade é assim” e que a única diferença entre o funk e outros estilos é que no funk não há “pudor hipócrita” da classe dominante. De fato, concordo que em grande parte a sociedade é assim. Não é à toa que o funk e o hip hop fazem tanto sucesso na classe média, como já ressaltei. Mas novamente, isso não defende o funk de nenhuma forma. É mais uma extensão da crítica a toda a sociedade. E sim: eu critico esses valores tanto na favela quanto fora dela. Mas o irônico é que Brasil se une para fazer chacota do Rei do Camarote, mas quando o criticado é o MC Guimê, se torna elitismo opressor.

O funk e o hip hop perpetuam valores nocivos e a ubiquidade deles na sociedade é algo ruim tanto para os de classe baixa quanto os de classe alta. A diferença é que eu posso me isolar no meu quarto com ar condicionado, assistir a documentários em inglês que questionam o estilo de vida que a mídia nos vende, ler livros que me expõe a valores com os quais eu me identifico mais, e optar por frequentar locais e andar com pessoas que em certo grau compartilham desses valores. Na prática, é inclusive o que quase toda essa classe média moderninha e relativista de defensores do funk faz. E mesmo para mim, foi difícil. Eu já convivi com grupos na escola e faculdade cujos valores não estavam distantes desses perpetuados pelo funk. E tomar consciência do mal que aquilo fazia para meu desenvolvimento como ser humano não foi um processo tão simples. Se foi difícil para mim, imagina para quem mora na favela.

Certa vez estava discutindo com minha empregada. Quando ela começou a trabalhar com a minha família há quase 10 anos, ela não tinha religião e tinha dúvidas com relação à existência de Deus. Recentemente, porém, ela se tornou Testemunha de Jeová e passou a frequentar a igreja com seus dois filhos. Questionada pela minha avó (cristã ecumênica assumida) sobre a questão do sangue, ela disse que não é tão fanática e não deixaria de fazer transfusão se essa fosse a orientação médica. Curioso, porém, perguntei: “Por que você sente a necessidade de frequentar Igreja? Por que não poderia exercer sua própria religiosidade dentro de casa? Já que não concorda com certas práticas da sua Igreja?”. E sua resposta foi:

“Ai Ariel, é tanta coisa ruim que a gente vê lá na comunidade, tanta droga, crime, funk… Eu quero mostrar a meus filhos um outro lado…”

Sim. Ela mencionou funk. E embora talvez ela seja de fato uma minoria em um ambiente já tão saturado de funk que as pessoas nem se incomodam, ela não é a única que questiona os valores da favela. Essa resposta, inclusive, me fez pensar se esse não é um dos motivos do sucesso das igrejas protestantes nas favelas. Para alguns, elas parecem ser a única saída.

“Tem mais um pente lotado no meu bolso
Qualquer roupa agora eu posso comprar
Tem um monte de cachorra querendo me dar
De olho grande no dinheiro esquecem do perigo
A moda por aqui é ser mulher de bandido”
–Soldado do Morro; MV Bill

MV Bill é um grande exemplo de como é possível retratar a realidade da favela de forma crítica e construtiva, de forma a mudar o status quo, e não reforçá-lo. Meu ataque não é à cultura da favela por ser da favela. Por ser “coisa de preto, pobre e favelado” como pode dizer algum neonazi ignorante. Mas sim por perpetuar certos valores que são prejudiciais para os próprios habitantes da favela. MV Bill é cultura da favela. Realidade Cruel é cultura da favela. Emicida é cultura da favela. Não sou conhecedor do estilo mas sei que existe muito que merece ser valorizado. Meu problema não é com eles. Meu problema é com artistas como Mc Rell Kamasutra (e.g. Vem mama em mim), Mc Duzinho (e.g. Vou morar no cabaré) e Mr. Catra (dispensa exemplos).

Mas com um discurso parecido os conservadores atacam o Death Metal, por exemplo! E aí???

A rivalidade “Funkeiros vs. Rockeiros” é conhecida e é inevitável eu ouvir esse tipo de argumento. Tenho duas respostas para me defender dessa analogia, que vou pontuar aqui caso já não tenha ficado claro no raciocínio apresentado acima:

1. O funk retrata e exalta aspectos da realidade local, perpetuando e reforçando o status quo. O death metal (ou metal no geral) é frequentemente uma obra de ficção fantasiosa. Assassinatos brutais, estupros, tortura, zumbis e demônios não são aspectos mais reais do universo dos metaleiros do que qualquer outro. Dessa forma, a violência pode até dessensibilizar o ouvinte ou seja lá o que for, mas não exalta nenhum aspecto negativo presente na comunidade de death metallers.

2. O death metal não é empurrado goela abaixo das pessoas como é o funk. O death metal não está presente em nenhuma forma de cultura de massa. O death metal é ouvido só quando há interesse genuíno do indivíduo por aquele tipo de música e portanto não é resultado de uma quase lavagem cerebral como é no caso do funk. Ninguém (ou quase ninguém) está imerso contra a vontade em um universo onde o death metal é onipresente. Me aprofundarei mais nessa questão da “autenticidade do comportamento do indivíduo” mais adiante no texto.

Pode até ser que mesmo assim o death metal torne indivíduos menos sensíveis à violência ou mais agressivas e que seja perigoso para crianças. Eu, particularmente, na ausência de experimentos empíricos e portanto com base na minha experiência própria, acredito que, se isso for verdade, é em menor grau do que o funk. Mas em todo caso, enquanto há dúvida, eu fico feliz de viver em um mundo onde as pessoas se preocupam com isso e colocam CDs com capas violentas fora do alcance delas e tomam outras medidas do tipo. Ouvir death metal não quer dizer que eu queira mais é que CDs do Cannibal Corpse sejam distribuídos para criancinhas na versão sem censura indiscriminadamente.

Ah, e funk é ruim, sei, metal que é alta cultura.

Mais um argumento na linha “Funkeiro vs. Rockeiro”. Não. Iron Maiden não é alta cultura. Mas pelo menos não é baixa. Novamente, o Iron Maiden tem letras fantasiosas ou simplesmente neutras. Se alguém acha que as letras do Iron Maiden perpetuam ou reforçam aspectos negativos da sociedade por favor me mostre que eu vou reconsiderar minha opinião.


Mas e a liberdade individual dos funkeiros que querem mesmo é ser promíscuos e ostentar?

O relativismo é tanto que é comum perguntarem “o que tem de errado se quiserem se vestir de forma hiper-sexualizada ou gastar em cordão de ouro e carrão pra comer cachorras? Causa sofrimento pra quem?”. A esses eu respiro fundo e respondo: A nível individual, isso não é necessariamente um problema tão grave, realmente. Mas não deixa de ser algo que eu vejo com desprezo. Assim como o vocalista de uma banda neo-nazista, por exemplo, por mais que eles não façam apologia a violência explicitamente e não causem sofrimento direto a ninguém.

Em todo caso, não estou criticando um comportamento individual voluntário, como já deve estar claro a essa altura do texto, e sim um padrão cultural que impõe um comportamento.

“Nunca haverá uma concessão de habeas mentem (“tenha sua mente”); pois nenhum xerife ou carcereiro pode trazer uma mente ilegalmente aprisionada ao tribunal, e nenhuma pessoa cuja mente tenha sido aprisionada […] estaria em posição de se queixar de seu aprisionamento. A natureza da compulsão psicológica é tal que aqueles que agem sob imposição permanecem sob a impressão de que agem de sua própria iniciativa. A vítima da manipulação mental não sabe que é vítima. Para ela, as paredes de sua prisão são invisíveis, e ela acredita que é livre.”
– Aldous Huxley, Brave New World Revisited

Huxley se referia a vítimas de condicionamento de massas e manipulação psicológica realizados por elites, mas os artifícios usados por essa elite mal intencionada se baseiam em fraquezas e reflexos naturais do ser humano. Quando se vive imerso em uma dada cultura, quanto mais uniforme ela for, mais difícil será rejeitar seus valores, pois não se conhece alternativas. Essas pessoas não matam, ostentam e desrespeitam mulheres porque esse é um desejo genuíno e fruto de sua individualidade. Não é porque é algo “natural de preto pobre”. É um comportamento de bando, mais coletivo do que individual. Eles o fazem porque as circunstâncias não os apresentam alternativas. Nos termos de Isaiah Berlin, não há liberdade positiva.

“Liberdade positiva é o gozo de poder e recursos para realizar todo seu potencial, em contraste com a liberdade negativa, que é a ausência de restrições externas.”
– Wikipedia

Fala-se muito na liberdade negativa. Mas será que a positiva em alguns casos não é mais importante?

“Esses milhões de pessoas anormalmente normais, vivendo sem problemas em uma sociedade à qual, se eles fossem inteiramente humanos, não se ajustariam, ainda vivem na “ilusão da individualidade”, mas na verdade eles vêm sofrendo um alto grau de desindividualização. Sua conformidade está se tornando um tipo de uniformidade.”
– Aldous Huxley, Brave New World Revisited

As pessoas precisam despertar. Enxergar que o sistema de valores em que estão imersos não é o único. Só assim elas terão liberdade verdadeira para escolher seus caminhos. O que querem seguir. Quem querem se tornar.

“Não se pode ser o que não se pode ver”
– Marian Wright Edelman
(lema do “Representation Project“)

Todos esses aspectos do funk que eu critico são aspectos que eu acredito infligir frustração e sofrimento em seres humanos. Não infligem tanto sofrimento quanto a mutilação genital, é claro. Mas tem um papel na perpetuação de uma realidade que, por sua vez, pode começar a chegar perto. Reforça-se o status quo em uma sociedade onde predomina o mal-estar humano. Onde rapazes que, como se já não bastasse nascer pobre na favela, vivem sob uma pressão de ficar rico e “comer cachorras” ainda maior do que aquela que aflinge a classe-média, e onde mulheres só são valorizadas pelo seu corpo e nenhum dos dois é incentivado a se desenvolver de outras formas.

Mas o problema vai além disso. Eu destaco o funk e hip-hop porque acredito serem expressões culturais extremamente destrutivas para a sociedade. Mas se o assunto for simplesmente a mediocridade cultural, então há muitas outras formas baixas de entretenimento que são defendidas ferozmente pela elite relativista brasileira.

A cultura da futilidade e o progresso

Ultimamente, venho observando uma tendência em certos grupos de defender tudo e todos, livrando-os sempre da culpa (também escrevi um texto inteiro sobre isso – “Livre arbítrio e culpabilidade“). Outro dia, por exemplo, critiquei a programação intelectualmente vazia da Globo e a superficialidade e falta de senso crítico dos fiéis telespectadores que vivem diante dessa programação quase que em um transe hipnótico. Como esperava, fui prontamente acusado de arrogância e intolerância com aqueles que assistem Globo. Eu seria um elitista e estaria impondo meus gostos particulares, tão válidos quanto quaisquer outros, aos telespectadores oprimidos da Globo. Típico caso de imperialismo cultural. Eu não tenho nada contra e realmente nem faço juízo negativo de alguém  porque a pessoa assiste novela ou BBB. Mas se a pessoa SÓ assiste programação na categoria novela e BBB, então sim, temos um problema. E aqui eu volto a atacar o relativismo.

Imagine um mundo cuja cultura é propícia ao progresso e ao desenvolvimento. Como seria esse mundo? Um mundo onde as pessoas se sentem estimuladas a colaborar umas com as outras para o desenvolvimento tecnológico, econômico e social. Onde as pessoas são informadas sobre questões políticas e votam com consciência. Um mundo onde todos trabalham juntos para reduzir o sofrimento humano. A futilidade generalizada é compatível com esse mundo? Não. Eu não vejo como pode ser.

“Se uma nação espera ser ignorante e livre, ela espera o que nunca existiu e nunca existirá… Não há como o povo ser livre sem informação. Onde a imprensa é livre e todo homem capaz de ler, tudo está seguro.”
– Thomas Jefferson

Mas não basta saber ler. É necessário querer ler. Querer se informar. Pelo menos um mínimo, afinal na era da especialização reconheço que é difícil se manter informado sobre o cenário político, mas ainda assim, um mínimo.

OK, todo mundo consome entretenimento banal em algum grau. Mas até que grau é saudável? Eu deveria ter orgulho de vir de um país que é lembrado no mundo por bunda e futebol? Será que é por pura sorte que esse não é o caso na Inglaterra, mesmo considerando a popularidade do futebol por lá?

“[os primeiros defensores da alfabetização universal e da imprensa livre] falharam em levar em conta o apetite quase infinito do ser humano por distrações. (…) Uma sociedade onde a maioria dos membros passam boa parte de seu tempo não no presente, não no aqui e agora ou no futuro próximo, mas em algum outro lugar, nos mundos irrelevantes dos esportes e novelas, da mitologia e da fantasia metafísica, vai ter dificuldade em resistir às artimanhas daqueles que desejam manipulá-la e controlá-la.”
– Aldous Huxley, Brave New World Revisited

Mas ainda não é apenas uma questão de liberdade da tirania. É uma questão de progresso. Social, moral, filosófico, científico. De desenvolvimento humano.

Um filme assustadoramente profético que trata desse tema é o “Idiocracy”. É um filme bobo em muitos aspectos, mas desde que o vi não consigo deixar de mencioná-lo toda vez que critico a cultura da futilidade. No filme, as pessoas mais ignorantes se reproduzem muito mais do que as inteligentes e, após várias gerações, a sociedade se degenera em uma distopia de pessoas idiotizadas que só se interessam por dinheiro, sexo e entretenimento, de preferência violento e se referem a qualquer um que fale de modo “inteligente” (smart-talk) como “veadinho”.

O protagonista é um homem “extremamente padrão em toda categoria”, que fica em estado de animação suspensa em um experimento militar que dá errado e acorda nesse futuro distópico. No final da história, após ver a tragédia que o mundo se tornou, ele faz um discurso:

“Sabe, houve uma época nesse país em que pessoas inteligentes eram consideradas legais. Bem, talvez não legais, mas elas faziam coisas, tipo construir navios e pirâmides, e até ir à lua! E houve uma época nesse país, há muito tempo, quando ler não era só para veadinhos. E nem escrever. As pessoas escreviam livros, filmes… filmes que tinham histórias, para que você se importasse com que bunda estava lá e por que ela estava peidando. E eu acredito que esse tempo pode voltar!”

OK. Mas qual é a solução?

No caso do funk, será que deveríamos considerar a proibição? Não. Raramente essa é uma boa solução para um problema. Proibir nesse caso seria simplesmente varrer o problema para baixo do tapete. E nesse aspecto eu estou de acordo com o movimento do Freixo porque ele se colocou contra uma proposta de lei que visava proibir o baile funk nas comunidades, e conseguiu a aprovação de outra que garantia a legalidade dessa manifestação artística.

Mas acho que o primeiro passo é reconhecer que existe um problema, e que propostas de solução são bem-vindas. Um exemplo de proposta seria a realização de mais projetos que visem levar cultura à favela. E aqui uso o termo “cultura” propositadamente, embora saiba que serei crucificado.

“cultura
sf (lat cultura)(…)
7 Aplicação do espírito a uma coisa; estudo. 8 Desenvolvimento que, por cuidados assíduos, se dá às faculdades naturais. 9 Desenvolvimento intelectual. 10 Adiantamento, civilização. 11 Apuro, esmero, elegância. 12 V culteranismo. 13 Sociol Sistema de ideias, conhecimentos, técnicas e artefatos, de padrões de comportamento e atitudes que caracteriza uma determinada sociedade.”
– Michaelis Online

“Cultura” é uma palavra que, como tantas outras, tem sentidos diferentes dependendo do contexto. Na definição teórica usada na sociologia, o funk é, sim, cultura. É parte do conjunto de artefatos, padrões de comportamento e atitudes que caracterizam uma determinada sociedade. Mas no sentido de desenvolvimento intelectual, adiantamento, civilização, apuro, esmero ou elegância, não. Não é. E quando digo que deve ser levada mais cultura às favelas, é no segundo sentido que eu uso a palavra.

Eu sei que a história foi cruel, etc. Mas é isso que devemos fazer? Excluir palavras expressivas do nosso vocabulário toda vez que elas forem usadas em discursos que levam a episódios de opressão, genocídio e outras desgraças morais? Não faz sentido. Existe uma tendência entre algumas pessoas de querer negar esses sentidos da palavra “cultura”. Acredito que por medo de que sejam usadas para o mal. Querem manter apenas o sentido teórico da sociologia. Neutro e compatível com o relativismo radical que pregam.

Mas mesmo embora tenham sido mal usadas, essas palavras ainda carregam aspectos positivos. E se as eliminarmos, como poderemos lutar por uma sociedade que valorize mais a cultura no sentido mais nobre da palavra? É por isso que, embora concorde com a o resultado legal do movimento “Funk é cultura”, me oponho ao lema. Ao afirmar pura e simplesmente que o funk é cultura, sem dizer mais nada, fica clara para mim uma agenda relativista que acaba tendo como consequência a subvalorização da alta cultura e hipervalorização da baixa. Alta porque promove o desenvolvimento intelectual e a reflexão. Porque expõe as pessoas a novas ideias que não estão presentes na cultura popular. Baixa porque só exalta o que há de mais primitivo no ser humano, colaborando para uma sociedade de sofrimento e mal-estar.

Inclusão ou imperialismo?

Exitem projetos que levam música clássica às favelas. Eu digo que deveriam existir mais projetos desse tipo. Mais projetos que levem a alta cultura e a erudição. Mas qual é a reação da esquerda marxista relativista mais radical? “IMPERIALISMO CULTURAL! A elite branca está impondo seus valores sobre uma minoria! A favela não precisa de cultura, ela já tem cultura, sua própria cultura!”. Mas esses valores são como são justamente por causa da exclusão dessa população. Por uma falta de acesso a educação que os torna incapazes de ser mais desenvolvidos. Um abandono que gera valores negativos que são reforçados por uma mídia onipresente (carros de som, cartazes, casas de festa etc) em um círculo vicioso. Um abandono que leva a cultura dessas pessoas a se deteriorar. Onde as pessoas não têm condições de desenvolver sua individualidade porque vivem em uma cultura de massa local que só enfatiza sexo, ostentação e violência.

Ainda assim, ironicamente, a elite, tão preocupada com a tolerância e tão politicamente-correta, toma todas as medidas possíveis para que as favelas continuem excluídas e sem o acesso e exposição à cultura (no segundo sentido) que as classes altas têm. Afinal, o fim da cultura da favela seria uma “perda cultural”. Ora, o fim da mutilação genital seria uma perda cultural. O fim dos grupos neo-nazistas seria uma perda cultural. Eu tenho fé no povo brasileiro e no seu poder de assimulação cultural. Somos capazes de melhorar uma cultura sem como consequência perder o que ela tem de bom para oferecer.

Por isso insisto que é importante levarmos a alta cultura às favelas. Não como forma de imperialismo, mas de inclusão. Ora, eu tive acesso a muito mais do que a cultura popular. E mais importante: exposição. Porque só o acesso não compete com a cultura de massa que nos asfixia a todo instante. Então por que os moradores das favelas não deveriam ter o mesmo acesso e exposição?

“O primeiro passo para o sucesso é tomado quando nos recusamos a ser prisioneiros do ambiente onde inicialmente nos encontramos”
– Mark Caine

Tem uma escola pública aqui embaixo da janela da minha casa. Em alguns finais de semana há eventos extra-curriculares. Sabe qual foi o último? Batalha do passinho. De que forma estamos ajudando essas crianças a se diversificar culturalmente? De que forma as estamos dando acesso a culturas alternativas? De que formas as estamos expondo à própria cultura da elite? De nenhuma forma. Nós simplesmente não estamos. Isso pra mim é a definição de exclusão. Educação não é só na sala de aula.

Mas agora que não consegui me segurar e critiquei a esquerda radical, vou criticar a igualmente comum direita radical. Porque é ela que alimenta a paranóia dos relativistas. É por isso que eu sempre repito: Nada é binário. Não é produtivo o debate se polarizar e um grupo alimentar a paranóia do outro. Um fica com medo da de um imperialismo cultural elitista e opressivo, e o outro fica com medo da degradação total da sociedade como consequência de uma política radicalmente relativista que deixa de promover o progresso. Por isso peço encarecidamente que os dois grupos se aquietem. Não digam, por favor, que “funk não é cultura”. Isso é simplesmente enganoso, pois em um sentido bem claro e bem definido, funk é sim cultura. Não digam “funk não é música”. Isso é simplesmente um argumento idiota de adolescente metaleiro. Mas também não bradem “funk é cultura” por aí porque isso só ajuda a legitimizar a cultura de anti-intelectualismo na qual já vivemos e só nos leva mais rápido para uma distopia de competição sexual, ostentação e violência desenfreada.

Conclusão

Críticas construtivas

Tenho a impressão de que o Brasileiro tem dificuldade especial em lidar com críticas. Parece que o conceito de crítica construtiva não é nem conhecido. Toda crítica é sempre vista como um ataque pessoal e defendida de forma vigorosa e muitas vezes agressivas. É difícil ter discussões construtivas com as pessoas. Mas quero que fique claro que minhas críticas são feitas com o a melhor das intenções: incentivar o pensamento crítico para que possamos mudar e progredir.

Culturas “inferiores”

O funk não é a única manifestação cultural de efeitos sociais questionáveis que é defendida sob o pretexto de tolerância e anti-elitismo. Os ciganos no leste europeu têm quase 10 filhos por mulher, não os colocam em escolas e nem registram seu nascimento em cartório. As crianças desde cedo são colocadas nas ruas para pedir esmola e também acabam roubando. Os imigrantes árabes em muitos países ocidentais passam a mão na bunda das mulheres que passam na rua porque, afinal, fala sério, são todas putas no ocidente. Outros até matam suas esposas em crimes de honra.

Repito: Não é por ser cigano ou por ser árabe per se que alguém deve ser estigmatizado. Pertencer a um grupo nunca deve ser suficiente para definir alguém, a nível individual, como inferior. Mas também não dá para simplesmente fingir que não existe um problema a nível coletivo. É claro, existem problemas em toda sociedade. Mas existem problemas mais sérios nessas comunidades. E precisamos reconhecer isso para que medidas sejam tomadas. Não é racismo. Não é intolerância. A correção política em excesso acaba sendo muito mais danosa porque fecham os olhos para problemas sérios só para evitar essas acusações. Mas em nome do progresso, não devemos abaixar a cabeça: Não. A cultura desses povos não está boa como está. Está sim pior do que a cultura da elite branca ocidental. Mas não estamos mais no século XVI. Nem no século XX. E esse discurso não pode mais justificar barbáries. Estamos no século XXI, e devemos mudar não esse discurso, mas sim as medidas que ele justifica. Estamos no século XXI e o progresso moral não precisa mais se basear em religiões imperialistas. Como diz Sam Harris, devem se basear no racionalismo e, sempre que possível, na ciência.

Ao reconhecer que certas culturas estão em um estágio de desenvolvimento inferior, é responsabilidade das culturas que estão em um estágio mais avançado não exterminá-las, mas ajudá-las. Incluí-las. Precisamos integrar à nossa sociedade o povo que vive nas favelas, os ciganos e os imigrantes. Não observá-los com a frieza e distância de um naturalista inglês na savana africana. Não quando as mulheres em destaque na favela são Valesca Popozuda e Mulher Melancia. Não quando crianças cantam “Lá vem dois irmãozinho de 762; Dando tiro pro alto só pra fazer teste” enquanto dançam como se segurassem armas. Não quando o que mais motiva os homens é comprar cordão de ouro importado e um carrão para “comer cachorras” por aí.

“Quer cordão de ouro importado e um carrão?
Ela dá pra nois que nois é patrão,
Ela dá pra nois que nois é patrão”
– Ela dá pra nois; Mr. Catra

Não quando se divertem cantando “vou largar minha casa e vou morar no cabaré” em um meio onde crianças entram para o tráfico e morrem com 4 tiros na cabeça após crescerem revoltados e sem pai. Muito menos quando toda essa cultura é produto da exclusão social e da omissão do nosso próprio país. Isso sim, pra mim, é elitismo.

“Pobreza não é vergonha mas também não pode ser orgulho”
– Emicida


Este texto também foi publicado na Sociedade Racionalista.

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1 comentário em “Funk é cultura? Os perigos do radicalismo relativista”

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